QUEM É
MARCELO
PEREIRA
RODRIGUES

Marcelo Pereira Rodrigues (MPR), 48 anos, é escritor (cronista, romancista e biógrafo), filósofo e palestrante.

ESCRITOR

Publicou há pouco o livro O Dia De Folga.

EDITOR

É editor-chefe da Revista Conhece-te, periódico mensal que persiste de forma ininterrupta por 21 anos.

SAIBA MAIS

CRÍTICAS

Por José Mauricio de Carvalho *
Um romance sobre a tolerância

A análise de um especialista começaria observando o impacto da narrativa, a força da história contada, a compreensão do tempo, o ambiente e a densidade dos personagens naquele ambiente espaço-temporal. Incluiria as características da linguagem, se simples ou mais elaborada, melodiosa ou não, se implica conteúdo confessional ou idealizado, o quão rico é a expressão lírica.

Normalmente em meio às aventuras dos personagens há um esforço para tratar de uma época e seus problemas, com críticas ao que se passa na sociedade. Não me sinto capacitado para levar a sério uma análise de todos esses itens. Ficarei no último, o quanto a narrativa compreende a época e que críticas faz aos costumes da sociedade onde corre a história.

O romance Tolerância, de Marcelo Pereira Rodrigues, coloca no início uma questão técnica: para que serve a literatura? Seria uma espécie de fuga da rotina? E o autor começa apresentando sua ideia de romance. Ele afirma que clássicos de outras épocas tem como características movimentos envolvendo personagens imaginários que vivem um tempo e seus problemas. O desenrolar do drama mostra a resposta do autor aos problemas que identifica. Por exemplo, a ida do personagem central para a República do Congo permite ao autor inserir na trama (p. 92): “que o país simplesmente ignora noções de direitos humanos, que as leis envernizadas não passam de Brazzaville.” Além disso, observou que (p. 93) “a Igreja Católica já estava sendo perseguida no país devido a seu trabalho social e às suas denúncias acerca do desrespeito aos direitos humanos.”

O romance não deixa de incluir um tema fundamental de política. A emergência da extrema direita, da intolerância e da brutalidade, expresso nas reações a um livro onde o personagem central, que é um escritor, comenta a vida no Congo e sugere que a Europa se desenvolveu explorando colônias africanas. E nas palestras sobre o livro encontra pessoas que dizem (p. 117): “Você quer vender livro na França nos acusando de imperialistas, vem a nossa pátria para nos jogar desaforo na cara, e essa plateia estúpida fica o aplaudindo.” E o ambiente irracional que produziu esse comentário se mostra num ambiente tenso e agressivo (p. 128): “exigiam-me posicionamentos políticos, sentia na capital francesa um excesso de barris de pólvora com rastilhos inúmeros, e tudo estava ao alcance de um atear fogo.” Ainda considerando a política, o romance cuida de diferenciar o terrorismo fundamentalista de uma fé pura no islamismo. Ao mesmo tempo que condena o (p. 120): “que assassinem jornalista do Charlie Hebdo, numa chacina despropositada”, o personagem aceita passar uma temporada nos Emirados Árabes e preparar um romance adaptado àquela cultura. Ali é bem acolhido e procura entender a fé islâmica em sua pureza e o modo de vida daquele povo.

Além dessa temática política, os questionamentos filosóficos não estão ausentes. Se não com a mesma intensidade de outros trabalhos do autor, com a mesma direção existencial incluindo o atualíssimo tema do sentido da vida. Afinal essa é a questão mais importante que temos para responder em nossos dias, o que faz a vida de um indivíduo valer a pena (p. 64): “o mundo tem que ser uma espécie daquilo que represento e daquilo que me dá vontade, uma espécie de tratado de Schopenhauer sobre o significado do que captamos para viver.” E há ainda um entroncamento de questões filosóficas e políticas quando a falta de sentido leva ao fanatismo e ignorância política. Vivendo sem sentido pessoal, assumindo um comportamento não crítico e sem educação, muitos (p.105): “encontrarão sentido se filiando a uma seita muçulmana terrorista para detonar os pilares desse modo idiota de vida de todos nós.”

O tema da intolerância reaparece nas ações violentas de radicais islâmicos que fazem coisas como a invasão da casa do personagem central e a morte de seus cachorros, além da invasão do local de seu antigo emprego. O dono do negócio, que se tornou amigo do personagem central lhe escreveu (p. 155): “a cena da casa destruída, com todos os livros e a morte de Thor, que amava muito, o fez ter engulhos. A polícia havia prendido o maníaco que ferira os turistas no restaurante, e ele me perguntava qual o motivo de tanto ódio contra a minha pessoa.” E as ameaças ao personagem continuam com ameaças de morte.
Segue-se a história com a morte de um amigo professor do personagem central pelos mesmos radicais islâmicos e cresce a violência contra o imigrante e o preconceito contra o Islã na sociedade francesa. O radicalismo e a ignorância se concentram nesses dois círculos de irracionalidades: a política e a fé assumidas fanaticamente, sem racionalidade e consciência crítica. De um lado, a radicalização religiosa e de outro política. Depois de se afastar da Europa (p. 216): “não sabia e continuava a sofrer ameaças de extremistas islâmicos e de alguns grupos de ultradireita na Europa.”

Temas de sociologia e psicologia contemporâneas também aparecem nas contínuas mudanças de parceiros dos personagens do drama que vivem ordinariamente relações efêmeras (p.111): “num mundo que não admite o tribalismo de quem nasce e morre junto, sendo despedido apenas pela morte.” O personagem central, um escritor que anda por vários lugares, vive relações efêmeras alimentadas pela força voraz do instinto que o leva a amar enlouquecidamente suas parceiras e a penetrá-las com gozo selvagem. E depois de viver mais uma de suas experiências sexuais, o personagem sistematiza uma questão com os termos das relações líquidas do sociólogo Zygmunt Bauman (p. 127): “estaria eu destinado a ser entreposto, usado simplesmente e nunca pertencendo a alguém de fato? (...) Almerinda e agora Rachida transformaram-se em casos, e isso tudo bastante efêmero.” O escritor descobre na árabe Rachida aquele amor maior que conduz a vida. Porém, esse sentimento não é capaz de sustentar a aproximação e daí a algumas páginas o escritor já está nos braços de outra que também tem dificuldade de assumir. Numa entrevista a um jornal espanhol, o personagem principal esquiva-se de tomar posição sobre as questões políticas e trata seus romances como romances, apenas evitando explicitar posicionamentos morais, políticos, filosóficos, etc. E chamado para um novo desafio vai à Venezuela para fazer uma cobertura do que se passa no país. Ali testemunha um golpe de estado e vê o novo líder controlar autocraticamente a imprensa. E então diante de um presidente golpista ele exclama (p. 231): “que país confuso.” Os seus editores na Espanha conseguiram entrevistas com as autoridades do país e enquanto isso testemunha a pobreza e a prostituição crescente em meio à brutalidade militar e aos males de um regime ditatorial. Andando pelo interior do país acabou chegando à fronteira com o Brasil e testemunhando a hostilidade contra o migrante venezuelano que fugia da miséria e da perseguição política no seu país.

Ao voltar a Caracas recebeu notícias de que a moça africana que fora seu amor no Congo havia dado à luz a um filho seu e, durante a estada na Venezuela, caminhou perdido no meio da pobreza e sofrimento das pessoas. A fama o colocou na mira da polícia do aeroporto quando desejou sair de Caracas e só conseguiu seus pertences que haviam sido confiscados por intervenção direta do embaixador da Espanha. Depois de passar pela Espanha volta a Portugal onde o antigo patrão já sabia do namoro com a filha. No retorno a Portugal sente medo (p. 244): “dos fundamentalistas islâmicos como também dos ultranacionalistas europeus.” Um atentado contra ele o afasta de Paula. Então decide voltar ao Brasil para viver anonimamente no interior do Estado de Minas Gerais.

Na volta ao Brasil é encontrado por Rachida que o acompanha nessa viagem. Naqueles dias em Lisboa negociara uma propriedade rural no interior de Minas próximo a uma cidade de 3 mil habitantes. Instalam-se ali e tentam viver anonimamente com ela trabalhando numa escola local de educação infantil. O escritor encontra finalmente o amor em suas múltiplas dimensões (p. 267): “amor intelectual, amor carnal, amor visceral, amor fraternal, amor conjugal, amor físico.” E assim, envolvido nas tarefas da fazenda acabou resolvendo o sentido profundo do amor e do sentido da própria vida ao retornar ao que está próximo. Esse retorno encontra o sentido da vida naquilo que está próximo, nas raízes da alma, expresso nas palavras de Paulo Coelho em O Alquimista (p. 266): “devemos empreender nossas buscas e que o tesouro na verdade sempre esteve no mesmo lugar que iniciamos.”

Resolvidas as questões do amor e sentido, desafio dificílimo nesses dias de massas ignorantes, resta conviver com a intransigência, a intolerância e a burrice dos nossos dias. Assim, o final do romance traz uma ameaça de fundamentalistas islâmicos sediados na Alemanha (p. 268): “As estrelas nos iluminam e apontam hereges do Islã ao profeta Maomé. Falhamos em Lisboa. Mas não se sinta confortável. Ainda estamos de olho em você.” Há de se viver estes dias sob ameaça de ultranacionalistas e/ou fundamentalistas. Um tempo ruim de viver.


• José Mauricio de Carvalho é filósofo, psicólogo, escritor, autor de mais de 40 livros, reconhecido no Brasil e exterior. Aposentado na Universidade Federal de São João del-Rey, é renomado conferencista e professor palestrante em diversas instituições.

RESENHAS

Para ler Marcelo Pereira Rodrigues você precisa entender logo de cara que o autor não tem foco em romances e aventuras, mas sim nos questionamentos da vida. Comecei A Queda com ansiedade pela ótima leitura que eu havia feito com Corda Sobre O Abismo. E posso dizer que as indagações que o autor propõe assumem um caráter maior pela grandeza com qual são colocados.

JESSICA RABELO, Blog Fantástica Ficção

Se você procura um romance nada romântico e extremamente verdadeiro eu te convido a ler A Queda, através de cada um desses imperfeitos personagens você vai aprender ou não mais sobre a vida e sobre você.

Blog O Senhor dos Livros


“Depois de se contaminarem com tanta desgraça, Salete teve a genial ideia de passar para um canal menos dramático, ou melhor, dizendo, a um programa menos apelativo. Consistia numa mulher loura com um papagaio de mentira. Ambos falavam sobre trivialidades, ditavam receitas e logo logo Salete estava copiando alguma coisa no seu diário (ela sempre o carregava, fazia-o de agenda. Denizard refletiu: “Não sei que mania essa das mulheres que copiam receitas que nunca irão fazer. Tudo na televisão é chamativo e gostoso, mas não vejo razão para tanto. Todo apresentador e apresentadora quando prova algo ao vivo, ou mesmo num programa gravado, exclama: ‘Hummmm...’. Não consigo entender algo mais clichê que isso. Difícil seria se fossem sinceros: ‘Olha, o gosto ficou muito ruim’. Sem ser machista, mas é o autêntico programa para mulherzinhas. Para donas de casas que não tem muito o que fazer. E é de se questionar o motivo deste espaço todo para coisas tão simples e fúteis, como ensinar a fritar um pastel ou fazer uma galinha ao molho pardo. Que bom seria se pela manhã a televisão aberta exibisse uma questão filosófica com vários especialistas abordando o assunto. Muito mais útil. Mas aí já é pedir demais! Massa de ignorantes na política do ‘pão e circo’.”.

Trechinho do romance Corda Sobre o Abismo.

nosmpr@hotmail.com